quarta-feira, 28 de novembro de 2007

O Dono Da Razão

Carioca, 23 anos, bombadinho. Aposto que a partir dessa descrição milhares de menininhas se interessariam pelo bofe. Mas garanto: o interesse acabaria assim que elas descobrissem que ele é O Dono Da Razão.

O Dono Da Razão vem de uma tradicional família de lutadores de boxe. Dos avós paternos herdou o sobrenome Dono, e dos maternos Da Razão. Criado pela mãe (uma artista plástica da vanguarda carioca), desde pequeno evita diálogos ou qualquer mostra de civilidade capaz de expandir seus conceitos e a sua visão a respeito da vida.

Na semana passada aprontou mais uma das suas. Chateado com as atitudes de uma amiga, ignorou-a durante toda a noite, sem ao menos perguntar os motivos que a levaram a agir da maneira como agiu. Era de se esperar. Ele é O Dono Da Razão, nada que os outros falem jamais estará certo.

A vida, no entanto, lhe pregou uma peça. Na tarde de ontem O Dono Da Razão descobriu que não vai mais poder treinar boxe porque está com sérios problemas na coluna. Nosso personagem, pela primeira vez na vida, não vai poder contar uma história da maneira como gostaria.

Será que ele aprendeu alguma coisa com isso? Ainda é cedo para saber. Mas eu fico na torcida pelo O Dono Da Razão. Torço para que no futuro ele não precise sofrer tanto para aprender que a razão é apenas uma comodidade, criada pelos homens para explicar e definir coisas que na verdade são tão alógicas e inexplicáveis como a paixão.

A razão é uma construção individual. Eu tenho a minha, você a sua. Mas contraditoriamente, não consigo acreditar que O Dono Da Razão tenha a dele.

domingo, 25 de novembro de 2007

Esse texto é sobre voCê

Esse texto é sobre a sua pele branquinha, que está pronta para ficar morena.

É sobre a sua boca pequena, que está pronta para ser beijada.

É sobre as suas covinhas, que de tão bonitinhas até escondem o seu jeito maluco e briguento.

É sobre a sua perna machucada do futebol, que está pronta para dançar balé mais uma vez.

É sobre a sua mania de falar alto, que está pronta para ser extinguida.

É sobre o seu péssimo hábito de mexer nervosamente a perna, que está pronto para ser analisado pela doutora Kátia.

É sobre a sua saia curtinha, que está pronta para perder mais uns 10 centímetros de pano.

É sobre a sua pulseira de prata, que está pronta para ser polida na joalheria da esquina.

É sobre o seu tênis preto, que está pronto para ser lavado pela primeira vez em seis meses.

É sobre a sua calça jeans, que está pronta para ser aposentada depois de sete anos de uso.

É sobre o seu jeito simpático, que está pronto para se eternizado na minha memória.

É sobre você, um amontoado de sensações e emoções.

É sobre você, que de tão simples é a mais complexa das criaturas.

terça-feira, 20 de novembro de 2007

Brincar de culpar

Não há nada mais divertido do que colocar a culpa nos outros. E Alice sabe se divertir como ninguém.

Ontem, quando acabou com os cubos de gelo das formas, por exemplo, não titubeou nem um segundo ao acusar o irmão da proeza. “Nossa, esse moleque não tem a mínima noção de convívio social”, disse para a mãe, com a cara mais lavada de todas.

Mas não é apenas para passar ilesa às pequenas chatices do dia-a-dia que Alice usa esse maravilhoso e libertador mecanismo. Ela se safa de conflitos morais capazes de deixar Aristóteles sem resposta.

Na semana passada, quando atropelou uma velhinha que andava tranqüilamente na calçada, não sentiu o menor peso na consciência e gritou: “quem mandou andar devagar, sua velha senil”.

Até aí, tudo bem. Ela transfere sua culpa aos outros apenas para se sentir melhor. A coisa fica realmente feia quando ela faz os outros se sentirem culpados por tudo o que lhe acontece.

Por isso, Alice, escute bem o que vou dizer:

Brincar com a verdade é engraçado. Brincar de culpar os outros também é engraçado. Fazer os outros se sentirem culpados é triste. Assumir a culpa pode ser a única alegria para aquele que está do outro lado da brincadeira.

terça-feira, 13 de novembro de 2007

Manias

As manias são altamente esclarecedoras. Perigosamente esclarecedoras, eu diria. Por meio delas, pode-se dizer muito sobre uma pessoa. Talvez até mais do que uma sessão de hipnose.

O que será que as minhas dizem a meu respeito?

Formulei algumas hipóteses:

Mania: deixar a toalha em cima da cama
Significado: sou folgada, deixo tudo para minha mãe fazer

Mania: tomar yogurt como se fosse mamadeira
Significado: sou uma criança de 20 anos, pouco disposta a abandonar antigos hábitos

Mania: passar xampu três vezes quando lavo o cabelo
Significado: gosto de múltiplos de três

Mania: dormir com o travesseiro em cima da cabeça (isso mesmo: ao invés de apoiar minha cabeça no travesseiro, coloco ele por cima)
Significado: tenho medo de monstros e acho que o travesseiro pode me proteger à noite

Mania: combinar meias e calcinhas
Significado: Não sei relaxar e aceitar coisas fora do padrão

Mania: comer andando
Significado: não tenho tempo nem para comer

Mania: comprar bolsas (no momento, tenho 36)
Significado: colega, nem eu arrisco um palpite

Mania: falar e escrever o que me vem à minha cabeça, sem pensar antes
Significado: tenho a impressão que vou conseguir arrumar os estragos que a minha caneta e a minha boca fazem

Para conhecer as nossas manias, demoramos anos. Em 20 anos, consegui detectar e interpretar algumas. Mas o melhor dessa história é saber que novas manias irão surgir, assim como outras irão ficar pelo caminho.

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Meu Fusca

Eu amo o meu Fusca. Amo com um amor inexplicável, inconfundível. Antigamente, um amor perturbador. Cada vez que o carro inventava de empacar em uma rua ou ladeira, tirava o meu sono, a minha calma. Agora sinto um amor tranqüilo, sereno, prazeroso.

Não ando mais com meu Fusca pela rua. O deixo na garagem por vários motivos. Da primeira vez, confesso, estava cansada de tentar arrumar o motor do carro. Mas ontem, depois de uma tarde ensolarada no parque, vi as coisas de outra forma.

Descobri que o deixo na garagem porque é muito precioso, uma verdadeira relíquia. O deixo lá porque sei que é o único carro cujo assento encaixa perfeitamente no meu bumbum. O deixo lá porque sei que se quebrasse na rua, jamais me recuperaria da perda.

Prefiro andar com ele de vez em quando, em ruas calmas e bem asfaltadas. Polir sua lataria com a melhor cera e com os mais belos elogios, para que nos dias em que a gente saia junto seja tudo perfeito. Tenho certeza que se conservar o meu Fusca, iremos passear juntos para sempre.

Ele até pode deixar de ser o carro que me acompanha todos os dias, mas jamais deixará de ser o carro que mais marcou meu coração. Ele pode deixar de ser o carro para quem eu guardo meus beijos e carinhos, mas jamais deixará de ser o carro em quem eu confio nos momentos difíceis.

Como ontem à tarde, quando cansada de andar rápido e por estradas cheias de buraco o tirei da garagem e o levei ao parque.

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

Tentação

A sensação de que estou sendo tentada é constante. Não sei se é mania de perseguição, mas é só pensar “não quero beber” que aparece uma propaganda de cerveja na tela da TV. Tento fugir, ligo o rádio. Maldição! Está tocando Elza Soares e sua pérola “Eu bebo sim e estou vivendo, tem gente que não bebe e está morrendo”.

Desligo o rádio. Decido me internar no MSN. Ali, se eu não puxar nenhuma conversa sobre o assunto não corro maiores riscos. Ledo engano. Basta entrar que aparece na tela do computador uma mensagem do D., amigo de longa data. “Vamos num barzinho hoje à noite”, pergunta.

Ai meu Deus! Recusar um convite do D. é como dizer não a mim mesma, tamanha a consideração que sinto por ele. Relutante, aceito o convite. “Mas com uma condição: hoje não vou beber”, digo para mim mesma.

Chego ao bar. O ambiente convida ao pecado, obviamente. Sento à mesa e olho o cardápio. Pulo a parte das bebidas, ou seja, me restrinjo à ultima página, onde ficam os sucos e as águas.

Triste fim de Cecília Quaresma. Não, não posso permitir uma situação como essa! Como ficaria papai se me visse assim, negando um copo de cervejinha? Papai jamais me perdoaria por tamanha fraqueza. Mas não seria eu uma fraca por não resistir ao copinho de cerveja?

Parando para pensar, sou muito forte. Já se passaram dois minutos e eu ainda não toquei no copo gelado de cerveja que o D. pediu ao garçom. Tudo bem, o copo é dele, mas se eu realmente quisesse um gole isso não me impediria. Eu e o D. somos unha e carne, mesmo quando passamos meses sem nos ver. Assim, considero que o que é meu é dele e o que é dele é meu!

Nossa, formulei um raciocínio sobre a minha amizade com D.! Pensei em outra coisa que não cerveja. Um progresso: parabéns para mim!

Certo ou errado?

Há dias em que os dias parecem tão certos...
Há dias em que os dias são realmente certos
Há dias em que eu tenho certeza
Que a unica certeza
É a incerteza de estar certa
Certo?

domingo, 4 de novembro de 2007

Um amigo de volta*

O retorno de um amigo é realmente um retorno. É uma volta ao exato momento em que nós o vemos pela última vez, independente do tempo e da distância que até ontem impediam as cervejinhas dos finais de semana.

O retorno de um amigo é pertencer novamente. Pertencer a um universo familiar, seguro, confortável. E nada melhor do que perceber que o seu olhar, ao cruzar com o dele, ainda consegue trocar idéias como que por telepatia.

É rir de piadas que fizeram falta, já que nada tinham de engraçadas aos olhos dos outros. É lembrar das situações mais horríveis e traumáticas (“lembra aquela vez que seu pai estava bêbado e brigou na frente de todo mundo”, recorda o amigo) e dar risada até a barriga doer.

É se sentir à vontade para falar a verdade. Sem pensar duas vezes, você sabe que pode abrir o coração e despejar de lá de dentro as histórias mais cabeludas que aconteceram nos últimos meses. Nada de culpa, medo ou vergonha.

É estar quieta e sentir um soco no rim, seguido de uma risada irritantemente provocadora. E é feliz de ter recebido esse soco, a mais verdadeira demonstração de carinho que o amigo pode dar. (Você que o conhece bem sabe que um beijo para ele não é nada, mas um soco no rim significa eu realmente gosto da sua companhia)

É poder sair de casa se sentindo em casa, porque com o amigo todo lugar é aconchegante como a churrasqueira de traz da casa da praia do avô.

É estar viva de novo. É estar feliz por estar viva.

*para Heitor, Core, Torto, Toi
(Que bom que você está aqui!)

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Eu e eu

Quando comprei o livro Amor é Prosa, Sexo é Poesia, do Arnaldo Jabor, eu achava que sabia alguma coisa da vida. Hoje penso: “coitada de mim”.

Okey, eu sabia resolver uma equação do segundo grau e também sabia qual era o filo da Angustifólias paranaenses. (Conhecimentos inúteis para alguém como eu, concorda?) Mas sabia eu coisas que realmente importam? Hoje vejo que não.

Não fazia idéia, por exemplo, do quanto a vida pode ser complexa.

Não fazia idéia do que é acordar querendo beijar uma paixão antiga e dormir completamente encantada pelo menino que gentilmente me ajudou a chamar o garçom.

Não sabia que as decisões mais difíceis devem ser tomadas espontaneamente, caso contrário nunca serão tomadas.

Também jamais imaginei que poderia ver duas, três, quatro, cinco, um milhão de coisas diferentes em uma mesmo situação, apenas mudando o ângulo do meu olhar. E nunca havia enxergado nisso a verdadeira graça da vida, o que continua me instigando a ter alguma relação com o mundo.

Naquela época era uma menina de 16 anos. Hoje sou uma menina de 20 anos. Aparentemente pouco mudou, a não ser pelo novo corte de cabelo que decidi adotar semana passada. Por dentro, no entanto, tudo está diferente. Muitas coisas fazem sentido. Coisas das quais, mais nova, nem tinha consciência.

Aí está a graça de visitar o passado de vez em quando. Poder comparar duas pessoas – o eu e o eu. Mas acho melhor voltar ao presente, antes que o meu antigo eu venha me assombrar com suas dúvidas e melancolias adolescentes.